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Folha branca
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  • Foto do escritorRafaela Manzo

Sobre Glória. Sobre Abel. Sobre eu e você.

Transcendem a morte os que são capazes de construir legados.


É assim que Glória Maria permanecerá entre nós para sempre. Forte, corajosa, pioneira em vários sentidos, referência para tantos jornalistas como eu, sua marca será sempre lembrada e está registrada na memória das pessoas e no imenso acervo audiovisual que ela nos deixa. Todo dia 02 de fevereiro, desde 2023 em diante, será também dia de lembrar e homenagear Glória.


Como o dia 27 de janeiro será sempre dia de lembrar Abel Aguiar Queiroz Filho, meu pai, outro jornalista de quem segui os passos e herdei os traços – no corpo e na alma.


Diferente de Glória, não se acha na internet de forma fácil muitos registros da passagem de meu pai por aqui. Ele morreu em 2003, no auge de sua vida pessoal e profissional, aos 47 anos. Naquela época o acesso a internet ainda era restrito e meu pai, tão mais analógico que digital, deixou suas marcas impressas nos cadernos, agendas e papéis que tento guardar e conservar para que a sua história siga conosco, de alguma forma.


A causa de sua morte, tão difícil de digerir, foi um traumatismo craniano. Ele morava sozinho em Valença, interior da Bahia, quando passou mal, vomitou, escorregou no vômito e bateu a cabeça no criado mudo quando se levantou para tentar pedir ajuda. Não deu tempo. Na manhã do dia seguinte, quando ele deveria estar na Rádio Valença FM (onde era diretor, locutor e apresentador) , ele não apareceu. Minha tia foi procurá-lo no velho sobrado do calçadão, onde morava, mas ele já tinha partido.


Durante as duas décadas que separam o dia de sua morte até esse aconteceram tantas coisas em nossa família, em Valença, no País e no mundo que eu nem saberia por onde começar a contar a ele se porventura o encontrasse. Meu pai estaria atônito com tudo. Dono de imensa sensibilidade, que o fazia acessar os corações mais distantes através de uma comunicação que ele fazia com criatividade, paixão, cuidado e amor (Comunicamor é uma marca que carrego deixada por ele), meu pai sentiria muito todo o caos que temos atravessado. Não tem sido fácil, talvez por isso ele tenha que ter partido cedo – para ser poupado.


Meu pai, descobri recentemente, fez vestibular de medicina, mas sua paixão sempre foi o rádio. Também teve passagens brilhantes pela TV, o que nos fez viajar por tantos estados desse Brasil em sua peregrinação em busca de um trabalho com propósito – algo tão falado neste 2023 mas que meu pai já perseguia há anos.


Ele seria um brilhante apresentador de podcast, mas certamente causaria polêmica com suas opiniões firmes e coerentes num mundo em que se falta justamente firmeza e coerência.


Por trás do radialista até hoje lembrado pelos saudosos ouvintes de Valença havia um homem em busca constante de si, cheio de vazios na alma que ele tentava preencher nem sempre de forma correta, mas que ele dizia no final de sua passagem que eram vazios do tamanho da falta de fé em

Deus que ele encontrou finalmente em seus últimos meses de existência. Uma fé que ele também, de alguma forma, me ensinou a cultivar.


Foi emocionante acompanhar a homenagem que fizeram a ele no último dia 27, justamente pela Valença FM, e escutar depoimentos de pessoas impactadas por sua mensagem até hoje.


No final das contas é assim que a gente continua por aqui – pela memória das pessoas, pelas histórias que elas são capazes de registrar e contar a nosso respeito.


Talvez um dia eu ainda divulgue e promova as memórias de meu pai através dos poemas bonitos que ele escreveu. A voz dele segue ecoando em jingles que ele criava e cantava por aí. As músicas que ele cantava ainda estão vivas e frescas na minha memória e em meu coração; elas também criaram em mim uma paixão que não é mais tão secreta pela música e pelas artes em geral.


Somos isso: instantes. Legado.


Estamos aqui de passagem. E se a gente lembrasse dessa única certeza todos os dias talvez aproveitássemos mais e melhor os dias por aqui. A dor e a delícia de cada um deles.


Porque todos todos passam. Tudo passa. Todos passamos.


Glória e meu pai. Eu e você.

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