Você ainda acredita, em 2023, em tudo que lê, ouve ou assiste?
Quando entrei na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, em 1999, havia uma famosa frase que costumava convencer os anunciantes da importância de divulgar seus produtos e serviços. Dizia-se que “a propaganda é a alma do negócio”. Com a evolução (que às vezes questiono, sinceramente, se é uma evolução mesmo – mas esse é um papo para outro artigo) dos meios e dos tipos de mensagem, há quem diga que a alma do negócio hoje é a sua própria alma. Será que a propaganda, por isso, perdeu sua importância? A verdade é que hoje, ao contrário de antes, eu sinto que os espaços e as mensagens estão muito confusos. Com tantos influenciadores profissionais usado um espaço multidirecionado e interativo e que hoje é quase 100% digital, é difícil muitas vezes entender algo que parecia mais simples como: isso é verdade ou mentira? Faz ou não sentido?
Creditamos simplesmente à reputação de determinado influenciador (ou à nossa identificação com o que dele está sendo exibido nas redes, que nem sempre reflete a realidade) a nossa escolha de acreditar ou não no que está sendo divulgado. E é justamente aí, nessa zona cinzenta, que os maiores enganos têm sido cometidos. Compramos por impulso serviços e produtos que podem gerar mais problemas que soluções, efetivamente, como se promete.
Em 1999 havia um espaço mais claro que diferenciava o que era o que hoje aprendemos a chamar de matéria orgânica do que era a matéria paga. Espaços editoriais eram diferentes dos espaços comerciais e eu gastei um bom (mas importante) tempo tentando explicar aos meus clientes de comunicação empresarial/ assessoria de imprensa o que era um e o que era outro e que tipo de resultado se poderia esperar deles.
Às agências de publicidade e propaganda cabia a arte de criar lindos e eficientes anúncios que demandavam algum investimento para serem veiculados em um intervalo comercial ou espaço de anúncio dos impressos, por exemplo. Qualquer informação, nestes espaços, poderia ser veiculada sem necessidade de verificação ou compromisso com a verdade, por exemplo. Uma marca de cereal podia dizer que era a melhor do mundo ou vender a ideia de que você poderia ficar mais bonito ou mais forte se o consumisse. Todo o conteúdo era de inteira responsabilidade da empresa/ agência. Você pagava por um espaço e sabia que o seu anúncio seria veiculado num determinado local, dia e hora.
Às assessorias de imprensa cabia a tarefa às vezes hercúlea de enxergar na empresa ou no projeto um valor de notícia que pudesse ser transformado numa boa (e útil) pauta. As informações precisavam ser resultado de dados concretos, sob pena de comprometer a imagem daquela empresa com os próprios veículos e jornalistas para quem elas seriam direcionadas. E sim, os jornalistas ainda conseguiam apurar os fatos (e confrontá-los usando fontes e entrevistados distintos, por exemplo) porque havia mais tempo, cuidado e compromisso com a reputação dos próprios veículos/ jornais que tinham regras e políticas muito bem definidas. Não que não haja cuidado hoje. Como disse, a multiplicidade desses espaços e o livre acesso a todo tipo de informação no meio digital acabou dificultando o bendito “double check” e ou a denúncia do que é fato ou fake.
Embora alguns veículos apresentassem linhas tênues (e confusas) entre esses espaços, por motivos de sobrevivência (afinal, anúncios sustentavam essas mídias), parecia ser mais fácil explicar essas diferenças e deixar as empresas escolherem, com os limites definidos, onde elas queriam aparecer. Com todos os bônus e ônus, ricos e potenciais dos dois espaços.
Uma coisa, afinal, é o anúncio, onde a empresa diz o que ela quer dizer sobre ela mesma com o objetivo de gerar mais resultado de negócio – também conhecido como vender mais.
Outra coisa bem diferente é o espaço editorial, onde um jornalista (em teoria) apura uma informação que deve atender critérios de noticiabilidade e ter relevância, onde os fatos são confirmados, confrontados, pessoas e instituições são entrevistadas e só assim o leitor (ou telespectador ou ouvinte) forma sua própria opinião/ percepção dos fatos – inclusive sobre aquela empresa e seu porta-voz.
Quem lia, escutava ou assistia impresso, rádio ou TV sabia quase sempre o que era uma propaganda e o que era uma matéria jornalística.
Em 2023 tudo parece bem diferente e cada vez mais confuso. A Rafaela estudante de jornalismo de 99 ia ficar aflita com a falta de clareza do que é divulgado nos espaços atuais, sobretudo pelo quanto o público-alvo mais impactado por essas informações tem pouco ou nenhum filtro para discernir algo que deveria ser básico como: isso é verdade ou é mentira? A divulgação dessa informação atende aos interesses de quem? Ajuda ou prejudica as pessoas que a recebem? A fonte é confiável?
As mídias que antes eram classificadas em impresso, rádio ou TV hoje são tantas que já nem conseguimos classificar corretamente. Tudo muda todo dia e aparecem cada vez mais canais e meios. E os aplicativos de comunicação instantânea acabam disseminando rapidamente qualquer informação divulgada, não importa de onde ela venha e sua veracidade – as “tias do WhatsApp” viraram perigosos formadores de opinião, por exemplo.
Como fazer com o excesso de informação? Onde buscar fatos e que lugares ainda têm claros os limites entre o que é notícia do que é propaganda?
Não tenho uma resposta fácil para essas questões, mas posso sugerir um caminho: desconfie, sempre, de tudo que você ouve, lê e assiste. Use filtros, apure a idoneidade da fonte que está sendo usada (o Google ajuda nisso, afinal), questione-se. Algo que não parece fazer sentido talvez não faça, mesmo, sentido algum. Escolha pessoas sérias e com boa reputação para seguir: quem está bem assistido por um bom profissional de comunicação e/ou agência quase sempre é orientado a divulgar informações corretas e sabe que perdas pode ter se não escolher agir corretamente com seu público também.
Enquanto consumidor, inclusive de notícias, você tem todo o direito e escolher o que deve acessar. E denunciar o que não parece fazer sentido ou o que sabidamente não corresponde à realidade.
Enquanto produtor de notícia (todos somos, hoje) você tem o dever de cuidar da informação que passa adiante – não importa onde e para quem. Sob pena de ter manchada a sua reputação e a sua integridade pessoal e profissional, aconselho que só faça isso quando tiver certeza do conteúdo que está compartilhando.
Seria bom se todos fizéssemos esse dever de casa. Evitaria ruídos, mal-entendidos e crises que muitas vezes são mesmo difíceis de gerenciar.
Se você ou seu negócio precisam de ajuda com esses temas e desejam ter mais clareza sobre esses espaços e como ocupá-los corretamente, vamos conversar!
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